Em seu recente livro de viés epistemológico, intitulado Le travail de l’histoire (2018), Étienne Anheim frisou que, longe de monopolizar os discursos sobre o passado, o ofício de historiador se notabiliza por seu duplo caráter, individual e coletivo, bem como pela capacidade reflexiva acerca das aproximações ou distâncias entre os tempos, animado por um projeto científico de conhecimento das sociedades. Nessa direção, a coletânea organizada por Everton Barbosa & Tania Bessone busca conectar acontecimentos e processos do século XIX ao nosso sufocante presente, então assolado por uma crise sanitária inédita e outras que se endereçam aos sistemas representativos de governos, conforme sinalizado na apresentação da proposta.

Os temas abordados vão das traduções produzidas no mundo luso-brasileiro com suas práticas censórias, chegam à circulação global de notícias sobre as revoluções atlânticas quando da Independência em 1822, transitam nas polêmicas que agitaram o fazer biográfico durante o Império, atingem o universo intelectual com suas barreiras impostas ao protagonismo feminino na condução de periódicos e tipografias no Brasil ou em Portugal, adentram as óperas e demais espetáculos teatrais situados no atual Nordeste da antiga monarquia tropical e avalia, por fim, as sociabilidades dos festejos imperiais de São João segundo memorialistas pernambucanos que a eles se referiram no período republicano. Assim, mediante os procedimentos do bem-sucedido esforço de atar os fios de khrónos ou sinalizar as diferenças do ontem em relação ao hoje, o estudo reúne pesquisadores de todo o país e oferece aos leitores estas Narrativas oitocentistas em tempos pandêmicos como sopro de criatividade na cena historiográfica vigente.